quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Inferno na estrada

Tarde de segunda feira. Regresso a casa, pela A25.

Toca o telemóvel que dá a primeira notícia: "Há um grave acidente na auto-estrada! Máximo cuidado".

O auto-rádio dispara em uníssono, em todas as estações, "choques em cadeia provocam cinco mortos e um grande número de feridos; camiões e veículos a arder... os bombeiros tentam apagar as chamas; inúmeras ambulâncias; há médicos do INEM no local; vítimas que sofreram queimaduras estão a ser conduzidas para hospitais com a especialidade de queimados...a chuva e o nevoeiro intenso que se faz sentir no local está a dificultar a prestação de socorro...os helicóteros ficam em terra, por causa das péssimas condições atmosféricas..."

É no quilómetro 45, nas Talhadas. Ainda faltam mais de vinte para lá chegarmos.

Nó do Carvoeiro, a GNR corta o trânsito, a fim de permitir a operação de socorro às vítimas, nas melhores condições.
Imposto o desvio pela EN nº 16.
Nos primeiros quilómetros do percurso, o tráfego flui normalmente, mas, pouco tempo depois, formou-se uma fila enorme, num constante pára-arranca. Há que séculos não entrava naquela estrada, que conhecia muito bem das normais viagens ao Porto. Pareceu-me igual. Tudo verde, uma fonte na berma, o rio à direita e a linha de combóio vale do vouga à esquerda, seguindo paralelamente, mesmo nas curvas e contra-curvas, como que fazendo uma mútua vigilância. Somos invadidos pela Natureza! Emociono-me, sem extravasar a alegria que sinto, uma vez que o rádio continua a lembrar-nos que, poucos quilómetros acima do vale, há vítimas mortais, que merecem o nosso respeito e recolhimento.
Chegamos ao fantástico Poço de S. Tiago, antigo porto fluvial com grande saída de lenhas, madeiras e carqueija. Ali está implantado o "elegante e arrojado viaduto de pedra, obra da engenharia francesa que transfere a via férrea para a margem esquerda do rio que ali corre entre ribanças apertadas e sai da alcantilada mas pitoresca e verdejante região dos gneisses e granitos. Sob o viaduto [com um arco central de 55 metros de vão] passa a mencionada estrada nacional" - in Guia de Portugal, 3º volume, Beira, I. Beira Litoral, 3ª edição da Fundação Calouste Gulbenkian.

Tanta beleza, a contrastar com a tragédia, ali tão próxima, cuja real dimensão nos era dada pela rádio, através de sucessivas noticías: "ainda não foi possível dominar o fogo no amontoado de veículos, um inferno!..."
Momento de paragem.
Medito. Mas porquê?
Penso nas pressas que hoje todo o mundo tem em chegar, alcançar ... ser civilizado. Auto-estradas para ... a morte. Que vida! Onde está a verdade da vida, a solidariedade, o tempo para a família?... Como é ainda posssível o sistemático flagelo dos incêndios que dizimam vidas e floresta, numa época que nunca mais acaba? Não está tudo ligado?
Penso no papel que deveremos ter para a evitar ou, pelo menos, atenuar futuras agressões, nesse campo. Vejamos esta coincidência. É preciso que aconteça um acidente, para que regressemos à velhinha estrada, com tanto de bom que nos pode dar!
Dá que pensar.
Nesse dia, chegámos a casa três horas mais tarde, mas demos graças a Deus, pela benção que nos concedeu.

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