sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Apenas uma página beirã

"Aqui, onde estou, numa aldeia isolada, não ouço as mentiras e corto as aflições com a música deste silêncio perfumado. Há muitos anos, quando cheguei pela primeira vez, o mundo parecia mais sossegado, mas não era, nem estava. A beleza, direi perfeita, do sítio impôs-se-me de tal modo que escrevi, para o Diário Popular, jornal de que era redactor, uma crónica que assim começava: "Escrevo no balcão da casa de piçarras negras, no último dos meus dias beirões. (...)

Precisava de vir a estes montes da Senhora (belo nome!) para fugir à mentira generalizada e à falta de pudor que parece não ser estanque. Nesta gente que me fala e me vem cumprimentar como ao foragido que voltou, há a grandeza da decência e da integridade, a raiz genuína e inicial das coisas.
Não vinha à aldeia há muitos anos, e faltava-me, ou esquecera a força primordial do mundo. Talvez esteja a lembrar-me do Jacinto de "A Cidade e as Serras", talvez; mas não é mau embalar um pouco as saudades: ter saudades é ter lastro, ter história, ter feito algum sulco por onde se passou.
(...)
Da janela ampla viam-se as sombras maciças das montanhas, ao longe.*
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* Fragmento de  A CANETA DAS SETE LÉGUAS, coluna do saudoso Baptista Bastos, jornal Negócios, sexta-feira 08 de Agosto de 2014.

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