Há quem diga que a tarefa de tradução é complicada por "culpa" da língua portuguesa: nem sempre é possível encontrar palavras que reproduzam fielmente o texto original em língua estrangeira.
Sempre desconfiei dessas vozes pessimistas.Será defeito da nossa língua? – era a questão que sistematicamente colocava.
Encontrei, por casualidade, uma resposta categórica na entrevista a David Mourão-Ferreira publicada na “COLÓQUIO/Letras” nº 145/146 (Julho de 1997), de que transcrevo o seguinte extracto:
“ – A língua
portuguesa permite-lhe exprimir-se como deseja?
– Permite, não tenho razões de queixa da língua portuguesa.
O meu grande mestre, mestre na Faculdade e em termos afectivos, Vitorino Nemésio,
uma figura absolutamente extraordinária que conhecia a língua portuguesa como
eu nunca conhecerei (só encontrei mais duas pessoas assim: o Aquilino Ribeiro e
o Tomaz de Figueiredo - este é praticamente desconhecido, e é injusto),
disse-me uma vez: “Nunca apanhei a língua
portuguesa em falta.” Isto a propósito duma tradução que tinha feito. Por
mais difícil que seja aparentemente ou à primeira vista dar em português
qualquer coisa que estava dada numa outra língua, consegue-se sempre; eu acho
que isto acontece com todas as línguas, no fim de contas. (…)
– A um leitor que se
aproxime pela primeira vez da sua poesia, como é que aconselharia a lê-la, com
que espírito?
– Com espírito de abertura, que é também aquele espírito com
que leio a poesia dos outros. Ou por outras palavras, num espírito de, tanto
quanto possível, absoluta receptividade. É preciso deixar que os poemas
encontrem eco no espírito de quem os lê para aí se completarem, porque um texto
poético, ou mesmo narrativo, não está completo quando sai das mãos do seu
autor: é o leitor que o completa.”
Palavras geniais que tanto me fascinam e reconfortam a
alma: parece que estou a ouvi-lo pessoalmente (lembro-me muito bem da figura do escritor, que conhecia através dos seus programas literários passados na TV).
A propósito, o António Lobo Antunes, na entrevista que concedeu ao suplemento Ypsilon do
Público de 9 do corrente mês, à
pergunta O que há de fantástico nas conversas com escritores , o chegar perto do enigma do talento?
respondia: “Talvez. Não sei. Ainda vou à
feira do livro e fico a olhar para a fila dos autógrafos dos outros e a olhá-los
porque eles escrevem. Os autores. E volto a ser o miúdo que era quando vinha do
liceu e passava ao pé do jardim zoológico. Havia ali uma cervejaria chamada
Coral onde comiam grandes génios à quinta-feira, a Natália Correia, o David
Mourão-Ferreira, e eu ficava do lado de fora, com 14 ou 15 anos, fascinado a
olhar para aquela gente. Atraem-me os escritores. Parece que têm contacto com
outra instância qualquer.”
Este «post» é uma preciosidade, por vários motivos: recupera uma revista que me acompanhou sempre (a velha «Colóquio», escritores que admiro e destaca uma opinião que tudo diz sobre o acto de escrita...(quase voltei aos corredores da Gulbenkian)
ResponderEliminarBeijo e boa semana
Obrigada por este post, Petrus! uma verdadeira preciosidade, sem dúvida.
ResponderEliminarPartilho deste sentimento de António lobo Antunes: "Atraem-me os escritores. Parece que têm contacto com outra instância qualquer."
Beijinhos!
Hoje venho desejar um Natal brilhante de alegria, iluminado de amor, cheio de harmonia e completo de Paz
ResponderEliminarBeijinhos
ೋღღೋ FELIZ NATAL ೋღღೋ
Bom Ano Novo!
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